
O crepúsculo. Óleo sobre tela 1882.
Aconteceu exatamente da forma como vou contar. Eu estava no início da Avenida das Palmeiras, quando apareceu de repente uma moça bonita, cabelos longos ao vento e completamente nua. Foi um alvoroço sem tamanho. Não demorou nada e o trânsito paralisou. O pipoqueiro do parque largou o carrinho e se juntou ao picolezeiro na apreciação daquela cena. Das janelas assomavam pessoas curiosas com aquilo. E logo as casas comerciais também se esvaziavam, nem clientes nem funcionários lá dentro permaneceram.

A aurora. Óleo sobre tela 1881.
Na esquina com a Rua das Lamentações, de repente iniciou-se uma briga feia. Era a esposa enciumada de um morador da região. A coitada indagou do marido se aquela era a sua amante, ao passo que ele, distraído com a visão angelical, respondeu que não, não era aquela. “Ah! Então você tem uma amante!”
Na sequência da briga apareceu uma viatura policial. Dois soldados desceram, apreciaram demoradamente o material e decidiram que, por se tratar de crime de ato obsceno, teriam de encaminhar a nudista até à delegacia de polícia. “Não leva, não!”, gritou a já significativa plateia. Os dois militares trocaram olhares entre si, depois analisaram o material um pouco mais e, acredito eu, cederam à tentação de ter uma caroneira pelada no carro. “Teje presa!”, anunciaram.
Foi assim que começou o segundo tumulto, e esse bem mais significativo que o primeiro. Aconteceu que, ao cercarem a desinibida moça, repentinamente os policiais se viram no meio dum empurra-empurra. Leva. Não leve. Pegue aqui. Largue acolá. Olha a arma sacada! Corre-corre para todo lado. Uma criança se desprendeu das mãos da mãe e se sentou no meio-fio em convulsivo choro. Mais ali adiante uma batida feia de carro machucou um motociclista.
Biblis. Óleo sobre tela 1884.
Enquanto tudo isso se desenrolava, a moça continuou seu trajeto como se não fosse com ela. E já quase saía da Avenida das Palmeiras, quando teve de dar passagem à viatura do resgate, que ali estava para socorrer o infeliz motociclista. Ou seria motoqueiro? Não me lembro desse detalhe.
Passado o resgate, seus pés descalços não deram dois passos e eis que ela outra vez teve que abrir caminho, mas agora para a viatura policial recheada de participantes do tumulto de há pouco. Lá vão os descuidados que empurraram os policiais!

Por essas alturas da coisa, creio que já se ajuntavam ali na avenida uma duzentas pessoas. Muitas, obviamente, nem sabiam do que se tratava. Estavam no local porque outros ali pararam. Somente os primeiros tinham a visam privilegiada da nudez daquela jovem. Mas que não se frustrem os demais, pois ela não tarda a se fazer mostrar para todo mundo.
No fim da avenida, a mocinha conversou algo com um ruborizado caminhoneiro, cuja mulher estava do lado e lhe tampou os olhos, e ao ouvir palavras de concordância, subiu na carroceria do veículo. Não subiu sozinha, obviamente, pois é muito alto. Mas não teve lá grande dificuldade, pois caridosos rapazes se prontificaram a auxiliá-la.
Fato é que, trepada na carroceria do caminhão, ela agora podia ver e ser vista por toda a longa Avenida das Palmeiras. A atenção geral estava tão focada na moça, que ninguém percebia a agonia do dono do caminhão por ter ainda os olhos vendados. Mas deixe isso para lá, ele que se avenha com os próprios problemas.
Acho que praticamente ninguém viu que a moça trazia algo na mão. Também, nua assim em pelo (literalmente) no meio da rua, quem vai observar suas mãos?! Ela então sorriu para a plateia e estendeu um cartaz – PRESERVE OS ANIMAIS.
by Adriano César Curado
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As imagens mostradas nesta matéria são reproduções de parte da obra do pintor francês William Bouguereau. Nascido em 1825 e falecido em 1905, na localidade de La Rochelle, Charente-Maritime, Poitou-Cherentes, França. A intenção é prestar-lhe uma homenagem, pois sou grande admirador de sua obra, que considero a perfeição da pintura na modernidade.
William Bouguereau merece a homenagem que vc lhe presta. E os quadros bem combinam com o texto que vc compôs, pois tanto a conto quanto as pinturas nada tem de pornografia, são a mais pura decantação da arte.
ResponderExcluirParabéns, nobre escritor.
Valério dos Andrade e Sousa
Maravilhoso, sublime e sensacional.
ResponderExcluirPaula Venâncio
Magnífico, extasiante e arrebatador! Belo trabalho!
ResponderExcluirMarina W. Costa
provocante, sensual, com um certo tom de deboche e erotismo, mas perfeito.
ResponderExcluirPerla Wischiter Sousa